quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

DIREITO & SOCIEDADE: analise interpretativa de Sociologia Jurídica: direito e conjuntura de José Eduardo Faria


1 CAPITULO INTRODUTÓRIO
Antes de tudo, Faria (p. 3) procura situar o leitor dentro da temática que será abordada, ou seja, dentro do contexto da Globalização, esclarecendo que este “é um conceito aberto e multiforme que denota a sobreposição do mundial sobre o nacional e envolve problemas e processos relativos à abertura e liberalização comerciais, à integração funcional de atividades econômicas internacionalmente dispersas, à competição interestatal por capitais voláteis e ao advento de um sistema financeiro internacional sobre o qual os governos têm uma decrescente capacidade de comando e de controle”
O objetivo do trabalho, segundo o autor, é “mapear e descrever seu impacto [da globalização] sobre as formas e práticas jurídicas à luz da conjuntura econômica e política contemporâneas” (p. 6), partindo, para tanto, “da premissa de que a globalização é um processo multicausal, multidimensional e multicêntrico, que relativiza as escalas nacionais ao mesmo tempo em que amplia e intensifica as relações econômicas, sociais e políticas” (p. 5-6).


Para sustentar sua argumentação, Faria (p. 4) procura destacar alguns pontos fundamentais para o entendimento da nova conjuntura internacional, a qual este se refere:
1. Universalização e acirramento da concorrência em escala planetária;
2. Avanço da mercantilização da propriedade intelectual e do patrimônio genético constitutivo da biodiversidade;
3. Concentração do poder empresarial e a subsequente consolidação de um sistema de corporações mundiais cujas redes formais e informais de negócios tendem a enfraquecer progressivamente o poder dos Estados;
4. Mobilidade quase ilimitada alcançada pela circulação de capitais;
5. Crescente peso da riqueza financeira na riqueza total (entre 1980 e 2005, a proporção de ativos financeiros mundiais em relação à produção passou de 109% para 316%).
Entre outras questões, Faria (p. 7) procura apontar àquelas referentes à atividade dos operadores do direito dentro dessa nova conjuntura, dizendo que “a crise de funcionalidade e eficácia do direito os tem levado a uma crise de identidade profissional”. Para esse autor, "[...] sua [dos operadores do direito] formação de caráter basicamente normativista e forense se revela incompatível com as novas competências e especializações propiciada pela evolução da complexidade econômica social e política inerente ao avanço da tecnologia e da integração dos mercados".
Nesse sentido, Faria (p. 4) aponta que "entre os fenômenos mais conhecidos no plano institucional destacam-se [...] a progressiva internacionalização das decisões econômicas e a expansão de uma trama mundial de instituições estatais e privadas com autoridade pública; a subsequente dificuldade do sistema político-legislativo convencional de estabelecer regras do jogo estáveis e coerentes e o esgotamento da ideia de hierarquia como princípio ordenador da vida social; a crescente porosidade na linha de demarcação entre o Estado e a Sociedade; e, por fim, o esvaziamento da ideia de território como fundamento e objeto do Estado e, por tabela, a relativização da importância das fronteiras territoriais, uma vez que as atividades sociais, produtivas, comerciais e financeiras passam a depender de pessoas, coisas e ações dispersas pelos cinco continentes".
Os estudos que compõem esta obra são: Mudança Econômica x Mudança Legal: as novas fontes do pluralismo jurídico; Policentrismo x Soberania: as novas ordens normativas; Desregulação e Deslegalização: os impasses jurídicos do estado-nação; Os traços estruturais da nova arquitetura do Direito; As novas reformas e funções do Direito: nove tendências.
2 MUDANÇA ECONOMICA X MUDANÇA LEGAL: AS NOVAS FONTES DO PLURALISMO JURÍDICO
O autor descreve neste capítulo o impacto da globalização e suas profundas implicações nos mais diversos setores da vida social. No âmbito específico do direito, ponto de partida é a revitalização de alguns de seus mais importantes conceitos, princípios e categorias fortemente atingidos por mudanças, em grande parte ocorridas à margem das estruturas jurídicas, dos mecanismos judiciais e da capacidade de regulação e controle dos Estados nacionais que se desenvolvem a partir das cinco consequências da "reestruturação do capitalismo" que, segundo José Eduardo Faria, interferem sobre o direito.
Entre as consequências citadas acima estão a rapidez com a qual se desenvolve a ciência, o que direciona a busca de resultados de curto prazo através da especialização em determinado seguimento. Essa seria a primeira consequência, segundo o autor. Essa consequência origina, segundo o Faria, um paradoxo inerente ao processo de inovação tecnológica, pois quanto maior for a velocidade de seu desenvolvimento, maior e mais diversificados serão os problemas, assim como, os efeitos e à gestão de seus desdobramentos, especialmente em matérias relativas ao bem-estar social e à segurança económica e chama a baila a premente necessidade de reformular radicalmente as instituições jurídicas para tentar criar alternativas institucionais, almejar oferecer respostas nacionais para questões de alcance global e conseguir neutralizar e também enfrentar esses problemas com um mínimo de efetividade.
A segunda consequência, de acordo com Faria, diz respeito à "diminuição da autonomia dos governos nacio­nais no âmbito do direito internacional" devido à crescente redução da margem de autonomia das políticas macroeconômicas nacionais, o que acarreta a ausência das políticas monetárias independen­tes e a crescente fragilidade dos países em desenvolvimento, além de gerar conflitos no mercado mundial, tudo isso devido a dolarização da economia mundial que surje devido a necessidade dos agentes financeiros globais de terem uma moeda comum para facilitar as negociações.
O autor considera importante a questão da dolarização das atividades econômicas, pois para ele esse é um meio ulitilizado pelos agentes financeiros dos mercados globalizados e também por muitos países através da internacionalização de seus sistemas financeiros, bancários e domésticos, isso por que esses países dependem de capitais externos para manter seu equilíbrio econômico e atrair investimentos para suas indústrias, porém tais benefícios acarretam graves concequências para o sistema político e social devido a perda de autonomia, tendo em vista que, a moeda é um dos mais importantes símbolos político e econômico.
Já a terceira consequência, apontada pelo autor, decorre do modo como a economia é organizada no sistema econômico mundial cada vez mais especializado, o que acarreta um "distanciamento entre a rique­za abstrata dos mercados de capitais e a riqueza concreta dos setores produtivos da economia real".
Para Faria , a especialização torna inviável hierarquizar funções e papéis em âmbito mundial, pois nenhum sistema é mais importante que o outro e cada um exerce sua função dentro do mercado, além de possuir seu próprio ângulo de visão em relação a determinado interesses, como, por exemplo, em relação ao bem-estar comum, isso porque sendo cada sistema autônomo as ideias são desenvolvidas de acordo com a visão de cada sociedade. Tal entendimento, segundo o autor, direciona a um questinamento sobre a regulação externa dos diferentes sistemas e o papel do direito e das instituições jurídicas encarregadas de aplicar a norma jurídica, tendo em vista que, há uma enorme variação normativa nos diversos sistamas estabelecidos mundialmente.
As multinacionais e as transnacionais se expandem de acordo com "o domínio proporcional ao peso econômico e polí­tico de cada país, o que propicia o deslocamento das indústria para diversas regiões do mundo". Tal avanço configura a quarta consequência abordada pelo autor. Consequência essa que se desenvolveu devido a dinâmica da reorganização na indústria no mercado internacional, o que ocasionou a fragmentação da produção nas mais variadas regiões do planeta terra, isso visando obter vantagens em divesos aspéctos. Entre eles, o custo da mão-de-obra e alguns valores de encargos sociais, como, por exemplo, os decorrentes de vínculos empregatícios através de contratos pré-determinados, sendo favoráveis ao empregador; isso o aparato político que gera uma segurança a mais para essas multinacionais, favorecendo-as nas negociações para instalação de suas empresas nos Estados, tendo em vista, a competição entre eles.
O processo de instalação, acima mencionado, ocorre, segundo o autor, de forma voraz, como um animal predador que faz com que seus governos abdiquem de funções, como, por exemplo, em relação a questões fiscais, que, nesses casos, favorecem a uma empresa estrageira em detrimento de um trabalhador da própria nação. Tudo isso direciona os Estados à perda da unidade nacional, onde não há, sequer, legitimação do povo através do voto.
O autor encerra o assunto sobre as conseqüências da reestruturação do capitalismo reafirmando no quinto e último desdobramento o gradual e constante desgaste da imagem do Estado-nação que decorre da diminuição da ideia de Auto-determinação dos Estados nas negociações internacionais, isso devido a grande interferência de organizações mundiais que buscam direcionar os acordos interestatais tendo por referência as diretrizes das organizações não-govenamentais que atuam no âmbito internacional .
Esse fenômeno, segundo Faria, remete a alguns questionamentos, entre eles a dúvida em relação ao futuro das identidades nacionais devido a diminuição da importância das fronteiras gerando a problemática do “multiculturalismo” que se caracteriza pela imposição de culturas das grandes potências econômicas sobre as ditas pelo autor como culturas minoritárias. Essa conjuntura também leva a reflexão em relação à normatização no âmbito supra-nacional que abrange toda a diversidade étnico-cultural.
É importante ressaltar que as consequências foram abordadas de forma bem sucinta, entretanto, podem ser analizadas de maneira mais aprofundada nas obras de Joseph A. Schumpeter, 1961; Karl Polanyi, 2001; Immanuel Wallerstein, 2000 e Giovanni Arrighi , 2001.
As consequências citadas são utilizadas por Faria como base para o desenvolvimento de sua obra, pois através delas o autor decreve suas idéias referente à expansão econômica e a forma como os investidores às desenvolvem. Para ele, tal expansão ocorre de forma cíclica ao longo do desenvolvimento histórico, tendo em vista que tudo começou devido a competição industrial, o que acarretou a busca destas por menores custos para produção de suas mercadorias, isso para conseguir manter uma posição no mercado.
A disputa por posição no mercado configura a primeira idéia-central descrita pelo autor, a qual seria favorável para o consumidor, pois através destas havia melhoria na qualidade dos produtos, além da diminuição nos preços destes. Entretanto, as forças de mercado, devido ao retorno da lei da oferta e da procura, propiciam o desenvolvimento de uma nova etapa onde há redução de inves­timentos e queda na oferta de empregos. Essa etapa do ciclo, ocorrida na primeira década do século XXI, estaria relacionada ao desenvolvimento de novos processos de produção.
A segunda idéia-central utilizada por José Eduardo Faria para fundamentar seus argumentos em relação à interferência sobre o direito diz respeito à velocidade de criação e distribuição de novos bens e serviços no mercado globalizado. Para ele, essa aceleração leva a substituições cada vez mais rápidas na gama de bens e serviços existentes no mercado mundial, trazendo para o direito a necessidade de estabilização para o bom funcionamento dos mercados.
3 POLICENTRISMO X SOBERANIA: AS NOVAS ORDENS NORMATIVAS
No desenvolvimento do capítulo referente ao Policentrismo X Soberania: as novas ordens normativas, Faria (p. 31) descreve o policentrismo decisório que caracteriza a eco­nomia globalizada, com suas hierarquias flexíveis, enti­dades nacionais ou supranacionais mistas e estruturas de coman­do cada vez mais variadas. Para ele os Estados tendem a perder a posição de poder exclusivo na coordenação das ações coletivas, isso porque, são cada vez mais pressionados por merca­dos globalizados e dessa forma, não conseguem controlar o domínio. Isso os deixam expostos a pressões e reivindicações internas que não podem ou não conseguem acolher.
O impacto das mudanças anteriomente citada não são homogêneo, pois, segundo Faria, variam de acordo com as condições locais espe­cíficas, a dimensão do mercado consumidor, as lutas sociais internas, as estratégias adotadas pelos governos e a situação geopolítica de cada país. Além disso, muitos desses atores apresentam-se como mediadores entre governos nos planos econômico e social, dessa forma os espaços antes pertecentes ao direito e à política não mais serão os mesmos espaços territórios dos Estados, e conclui que a extraterritorialidade é um problema surgido com a univer­salização da concorrência, o acirramento comercial, como já havia sido mencionado no capítulo anterior. Com a concentração do poder econômico, o Estado perde autonomia para o "mercado", e, dessa forma, não mais coordena a vida social das comunidades.
Para Faria a globalização tem como base a competição fundamentada no liberalismo econômico e o Estado que almeja fechar-se para esse sistema estará sujeito às consequências do isolamento, como, por exemplo, as restrições do mercado em relação aos investimentos para os países que buscam o isolamento é um dos motivos que os obrigam a adotarem a ordem econômica mundial.
Ele ainda afirma que a regra deveria ser a autonomia do Estado em relação à abertura e fechamento do país em relação ao mercado externo, entretanto, os riscos relativos à fuga de capitais, a perda de fontes de créditos, a carência da inovação tecnológica e também às consequências políticas e sociais conduzem os Estados a abrirem suas portas ao mercado internacional.
A referida abertura mencionada no parágrafo anterior também não é livre de consequências, pois, estando subordinado ao sistema, o Estado perde a capacidade de administrar os recursos tributários, de adotar medidas protecionistas, de adotar política econômica direcionada pela lei da oferta e da procura e também de exercer a justiça através da ação fiscal.
O autor compreende que dentre todas as limitações que possa ter um Estado subordinado, a restrição jurídica é uma consequência muito relevante, pois traz para com ela a prática política alter­nativa desenvolvida fora dos limites institucionais, projetos específi­cos de natureza política e social e novas formas de vida e de convi­vência, forjadas em torno, o que dá uma nova visão jurídica às oringens jurisdicionais do Estado.
A limitação dos referido Estados são proporcionais à intensidade com a qual ocorre o processo de abertura. Ela poderá permitir a inserção de fontes supranacionais, privadas, técnicas e comunitárias na estrutura jurídica de um país.
Com o estabelecimento das fontes supranacionais, alguns litígios nessa esfera passam a ser resolvidos pela justiça paralela de nível também supranacional, as quais surgiram das necessidades de diferentes setores sociais e económicos, cujos interesses substantivos e expectativas normativas já não encontram a acolhida necessária nas instituições jurídico-judiciais tradicionais, e são postas em prática sem interferência estatal do poder público.
Faria aborda, também, o modo forjado com que se apresenta a justiças e as normatividades no contexto transnacional e afirma que tal comportamento deriva de fatores como a divisão de responsabilidade e a velocidade com a qual surgem os processos de convergência normatica. Ele acrescenta ainda que a unificação burocrática que advém do surgimento de grande blocos comerciais também contribui para a farça jurisdicional no âmbito mundial, pois colaboram para tomadas de decisões que não são emanadas ou constituídas diretamente a partir da autoridade dos Estados.
As decisõe citadas no parágrafo anterio, segundo o autor, direciona a inúmeros questionamentos, entre estes, a questão da proteção dos direitos à propriedade intelec­tual, no reforço da segurança jurídica das transações em um mun­do virtual e nas negociações para a liberalização dos movimentos de capital e também mais especificamente a questão das prescrições prevalecentes no âmbito das economias centrais. Tudo isso remete a lei da mercadoria ou Lex Mercatoria que seria a lei forjada nos tempos medievais, essa conferindo às partes liberdade de escolha das regras de direito a serem aplicadas pêlos árbitros e se expressando mais por meio de princípios gerais do comércio internacional, como, por exemplo, o da boa-fé.
A expansão desse tipo de norma­tividade ao longo das últimas décadas foi impulsionada, entre outros fatores, pêlos litígios entre companhias petrolíferas e países recém-independentes com relação à nacionalização das reservas, ao cumprimento de contratos firmados antes da independência e tem expessão através da "governança sem governo", uma estrutura sistémica flexível articulada de modo descentralizado.
Esses modos de aplicação jurídica foram criados por entidades privadas sem fins lucrativos e responsáveis por definições de padrões internacionais que não são legalmente vinculantes. Vários desses órgãos agem por delegação de governos, sendo fortemente influenciados por empresas privadas e grupos de interesse, enquanto outros ocupam o vazio deixado pêlos po­deres públicos em setores e matérias de extrema complexidade técnica e saberes altamente especializados. Entretanto, vem se estabelecendo situações de poder desiguais e de dependência, com uma lógica de subordinação, domí­nio, parceria e cooperação; além de forjar usos, costumes, obrigações de lealdade e hierarquias informais.
O que foi dito anteriomente é, simplemente, o reflexo das práticas organizacionais e corporativas das empresas com atuação transnacional, ultrapassando em larga escala os limites das normas, tribunais e procedimentos do ordenamento jurídico dos Estados-nação.
Uma outra restrição estrutural do direito positivo e de suas insti­tuições judiciais diz respeito à discrepância entre seu perfil arquite-tônico e a crescente complexidade do mundo contemporâneo. Isso demonstra que o direito interestatal é muito limitado para dar conta de uma pluralidade de situações sociais, económicas, políticas e culturais cada vez mais funcionalmente diferenciadas. Haja vista que a tomada de decisões jurídicas em âmbito interestatal nada mais é do que respos­tas pragmáticas a questões pontuais e imediatas.
Quanto mais sua produção normativa caminha nos moldes anteriomente citado, maiores serão os números de textos legais com alcance bastante restrito no tempo e no espaço e gerando pressões disfuncionais sobre os tribunais, mas o direito positivo vai expandindo-se de maneira extremamente con­fusa, desordenada e contraditória por meio de regras complexas e leis incabidas.
Logo, para o autor, o direito positivado demonstrado, ao longo desse trabalho, já não mais consegue contar com uma hierarquia de instruções e pareceres normativos, portarias, decretos, leis e códi­gos minimamente articulada e com princípios integradores compa­tíveis entre si.
Em face da pretensão do direito positivado de abarcar uma intrincada e complexa pluralidade de valores, interesses, situações, matérias e su­jeitos; disciplinar comportamentos altamente particularísticos e equilibrar a ação de vários operadores e atores jurídicos, o que acaba por comprometer inteiramente sua organicidade, tornando cada vez mais distante a possível aplicação no âmbito internacional o que faz com que o Estado veja sua autonomia ameaçada.
Segundo Faria, o esgotamento do proces­so legislativo do Estado-nação e os mecanismos de controle de constitucionalidade das leis a ele associados é um dos fatores que motiva os governos à novas formas de produção do direito e a um novo regi­me jurídico, esses são basicamente orientados pela competitividade que é estímulo para a inovação.
O mecanismo acima descrito se mostra incompatível com o modelo de uniformidade dos legislativos dos Estados-nação, pois esses não se adequam à diversidade de situações jurídicas ocasionados por negociaçoes no mercado internacional. Isso faz com que a estabilida­de dos mecanismos jurídicos internos se tornem obsoletas diante dos inúmeros questionamentos jurídicos gerados pelo advento de matérias e situações novas e não padronizáveis pelos paradigmas jurídicos vigentes.
As situações citada anteriormente, além de demonstrar as limitações do direito estabelecido dentro dos Estados também revelam que o alcance do direito positivo de forma mais ampla tende a ser cada vez mais reduzido. Isso porque as instituições judiciais revelam-se cada vez mais superadas, em termos burocráticos, organizacionais e administrativos, e incapazes de decidir de modo minimamente coerente, uniforme e previsível, no plano funcional.
No plano externo a necessidade de driblar as incertezas jurídicas direciona os organismos multilaterais, que nos anos 80 tanto valorizavam a su­premacia do mercado, a confirmar, nas décadas seguintes, que Estados capazes de estabilizar e garantir expectativas normativas. Tudo isso, para garantir o cumprimento dos contratos e proteger a propriedade pri­vada através de regras precisas para sua transferência, e, com isso, resguar­dar juridicamente os créditos e fixar procedimentos objetivos e rápidos para sua cobrança, "constituem elementos-chave em qualquer esforço bem-sucedido para construir novas economias de mercado."
Essa convergência de fatores fez com que o Estado, nas décadas finais do século XX, passa a agir de forma pragmatica. Esse comportamento se revela com a substituição das tradicionais normas abstratas, gerais e impessoais por normas cada vez mais específicas. O resultado inevitável é a perda progressiva do controle da racionalidade sistêmica de suas pró­prias leis. Assim, ordenamento jurídico é submetido a uma competição com outros ordenamentos norma­tivos supranacionais.
Essa intervenção, citada anteriormente pelo autor, leva os legisladores e operadores do direito a reagirem de duas maneiras: se distanciando dos códigos, leis e normas desprovidas da necessária base material social ou econômica para serem eficazes, deixando-se simplesmente de aplicá-las em determinados casos ou, então, apli­cando-as de modo seletivo em outros, conforme as circunstâncias.
Uma segunda reação que a intervenção gerou no âmbito jurídico interno foi a desjuridificação e procedimentalização do direito. A primeira estratégia implicaria um drástico enxugamento do ordenamento jurídico, já a segunda consistiria em propiciar aos diferentes atores sociais condições para que possam discutir entre si e definir de modo consensual o conteúdo das normas.
Esse comportamento é desencadeado nos Estado, à medida que eles conscientizam da necessidade de abrir mão de parte de suas responsabilidades regulatórias para que possa se inserir efetivamente no mercado internacional.
O objetivo das duas últimas reações geradas pela intervenção é desvincular o Estado de suas funções controladoras, reguladoras, diretoras e planejadoras no âmbito da economia, levando-o a se render ao pluralismo jurídico e à substituição da tradicional rigidez hierárquica dos códigos e das leis pela diversidade e pela flexibilidade normativa. Basicamente, o que tem estimulado a proliferação das estraté­gias de desjuridijicação e procedimentalização do direito é uma espécie de cálculo de custo-benefício por parte de governantes e legislado­res.
As consequências das duas estratégias acima mencionadas não são apenas problemáticas e contraditórias. Elas são acima de tudo paradoxais. Pois, alguns setores ficam completamente sem regulamentação.
Entretanto, a desregulamentação tem, ela própria, de ser legalmente regulamentada. Com isso, o Estado acaba sendo obrigado a fortalecer seus instrumentos de gestão para reduzir o tamanho de sua máquina; a concentrar poder para delegar autori­dade e a implementar uma estratégia de "desconstrução institucio­nal"; a forjar um processo decisório fechado e excludente para assegurar o privilegiamento da economia de mercado como discipli­na condicionadora das políticas públicas.
A deslegalização e desconstitucionalização interferem em atos juridicamente perfeitos, revogam normas constitucionais classificadas como "cláusulas pé­treas" e alteram drasticamente as condições de execução de contra­tos concebidos e assinados com base nos códigos e leis até então vigentes, além de acabarem induzindo cidadãos e empresas a bater nas portas dos tribunais para tentar preservar direitos adquiridos e manter os compromissos que haviam formalmente assumido.
O Judiciário, não está preparado para dar conta dessa avalanche de novos processos, em termos organizacionais, operacio­nais e financeiros, e quanto mais cidadãos e empresas a procuram, mais ela revela dificuldades para cumprir suas três funções básicas: instrumental, institucional e simbólica, de efetivação das orientações sociais.
Desregulamentação e deslegalização significam menos direito positivo e menos mediação das instituições políticas na produção de regras, em bene­fício de uma normatividade emanada de diferentes formas de contrato que possam ser gerados pela relações multilaterais.
4 OS TRAÇOS ESTRURTURAIS DA NOVA ARQUITETURA DO DIRE ITO
Nesse capítulo o autor esquematiza através da lógica com a qual funciona o direito no mercado multinacional que é segundo ele uma lógica distinta da utilizada nos Estado-nação.
Faria ainda afirma que o atual pefil do ordenamento jurídico em âmbito internacional se mostra cada vez mais fragmentado, isso devido às consequências mostradas nos capítulos anteriores. Essas revelam o direito interno limitado e sem autonomia; às vezes com a mínima função de referencial para os cidadãos nacionais. Tais afirmativas vislumbram o direito também com um elemento a mais que pode ou não ser utilizado em negociações internacionais. Para Faria é importente ressaltar que do ponto de vista interno, o ordenamento se mostra cada vez mais com a necessidade de uma ligislação descodificada para que o direito possa ser aplicado a um maior número de questionamentos possíveis no âmbito jurídico intarnacional, tendo em vista que, o direito é utilizado para solucionar os problemas, e os que são apresentados em âmbito internacional se mostram de diversas maneiras e envolvendo uma gama de microssistemas.
As afirmações mencionadas anteriormente retratam, segundo o autor, a perda de peso ideológico e fucional que o direito interno vem sofrendo paulatinamente, o que direciona as questões em relação ao futuro do ordenamento jurídico, considerando que ele é direcionado por instituições que possuem a função de ministrá-lo; muita das vezes, isso ocorre de maneira deliberada e com o fim precípuo de transpor limites das jurisdições territoriais.
Por fim, o autor resume a sua argumentação em relação aos traços da nova arquitetura do direito pedindo a devida atenção por parte dos leitores de sua obra, pois, segundo ele os riscos decorrentes dessa nova arquitetura são muito mais abrangentes do que ele diz ser possível enumerar em sua obra.
5 AS NOVAS FORMAS E FUNÇÕES DO DIREITO: NOVE TENDÊNCIAS
A primeira tendência, segundo o autor, é de uma distribuição parcial de parte das competências legislativas. A complexidade de certos assutos que não se limita a seu conteúdo chega aos pontos limitróferos com os demais assuntos sociais. É exemplo o julgamento de constitucionalidade das pesquisas envolvendo células tronco feito por nosso STF, e que consultou os jurístas, médicos, pesquisadores e os setores religiosos para se posicionarem a favor ou contra, expondo sempre as suas opiniões, que por conseguinte, refletem as opiniões dos demais setores sociais.
O autor, prosseguindo nesse ponto, entende que os pareceres desses juristas e dos demais técnicos podem não ser imparciais, tendendo para opiniões e interesses imorais. Assim, na sua visão, essa distribuição de competências pode tornar-se perigosa.
A segunda tendência observada pelo autor é uma flexibilização e corrosão da imperatividade do direito positivo. Os códigos e leis conteriam princípios para a resolução de conflitos entre as competências e dispositivos, não atuando diretamente com regras para a solução de litígios, tão somente a figura de um árbitro. Os atores em litígios chegariam a soluções entre si da maneira que melhor considerarem, sem intervenção do Estado. É mais um passo da dissolução do direito positivo e de suas instituições garantidoras.
A terceira tendência está vinculada a morosidade jurisdicional do direito e, principalmente, dos países que adotam o sistema romano-germânico para a solução de controvérsias. O autor entende que a economia exige uma celeridade processual que acompanhe o seu ritmo de crescimento. Para isso deveria haver uma total reformulação das legislações processuais no sentido de otimizá-las e melhor adequação ao interesses econômicos vigentes. E, mais especificamente, nos países periféricos e semi-periféricos, pois possuem mais problemas com a organização da justiça e uma maior debilidade na prestação dinâmica da mesma. A pressão para essas modificações são ralizadas por grandes firmas de serviço jurisdicional nos países desnvolvidos e por grandes organizações internacionais de crédito, nos países em desenvolvimento.
A quarta tendência é advinda, como analisa Faria, da cultura anglo-saxonica, EUA e Inglaterra. Daí a idéia de um direito consuetudinário, jurisprudencial e de uma grande experiência na regulação econômica estadunidense, donde surge a idéia de agências regulatórias especiais consubistanciada no Brasil em altarquia especial, que tem imunidade política e uma grande autonomia decisória em assuntos estratégicos, não estando vinculada a interesses políticos. Todas essa ideias estão ligadas a de que mercados mais garantidores da propriedade e do cumprimento dos contratos lucram e se desenvolvem mais. Seria necessário orgãos legais capazes de aplicar justiça de modo claro, técnico e sem princípios abstratos, para que as decisões sejam mais previsíveis para cálculos de custo-benefícios.
A quinta tendência aferida pelo autor é o fim da distinção entre o direito público e o direito privado, no qual as normas de caráter dirigente estão se submetendo ao âmbito civil. Uma sobreposição do privado ao público, pois o privado é e deve ser mais flexível e adaptável às diversas situações econômicas surgidas. Assim, as constituições teriam seu fim marcado, como os direitos e organizações imutáveis nelas estabelecidas.
A sexta tendência é o fim da regulamentação estatal do direito do trabalho onde os interesses econômicos necessitam que o Estado se abstenha de acalentar de forma excessiva e onerosa a classe trabalhadora. Assim, essa tendência observada pelo autor acarretaria uma desregulamentação do setor para que hovesse mais autonomia volitiva e financeira na hora de contratar, o que em contra partida aumentaria a capacidade de concorrência da empresa.
A sétima tendência apontada por Faria é uma fragmentação do direito internacional e o surgimento de um direito comunitário. As diversas ligislações internacionais, ambientais, contratuais, penais e outras vivem em conflitos entre si. Assim, o direito internacional abre espaço para o direito comunitário na solução de litígios e organização social.
A oitava tendência está ligada intimamente com as anteriores, ou seja, a regressão da tutela estatal dos direitos sociais e dos direitos humanos. Nesse processo de desintegração do Estado não só as suas competências são subtraidas, mas também sua capacidade de prover o bem-estar social, já que o seu poder diminui à medida que sua arrecadação também.
A nona tendênca, aponta o autor, é a da miséria. Tendo como idéia que os setores sociais mais pobres geram mais problemas criminais e devem ser combatidos nessa categoria, não importando se o todo ou a parte é ou não deliquênte. Um política de repressão aos que já sofrem pela ineficiêcia estatal de os oferecer recursos de maneira humana e eficiente. A solução aqui passa a ser, mundialmente, combater o crime com mais impeto nessa classe social.
7 CONCLUSÃO
O direito como ciência, é grandiosamente dotado de magistrais princípios, cada um com suas devidas histórias de conquistas inseridas inseparavelmente na história humana. Compreender esse liame histórico é olhar, humanamente, para a sociedade e compreender que tudo tem o seu valor, e, assim, direitos tão suadamente conquistados não podem desaparecer nas condições que querem os interesses econômicos vigentes.
Tal como o rei Midas, tudo o que o capitalismo toca, vira ouro. Sem exceção de nada. Primeiramente, os bens, em segundo, o trabalho, em terceiro, nosso tempo, em quarto, nossa educação, em quito quer de nossos direitos e, quando nós percebermos, estaremos em uma prateleira com o respectivo preço.
As interligações históricas de lutas com a nossa atual qualidade de vida devem ser observadas quando se tenta vender nossa dignidade, nosso trabalho e nossos direitos a ele. Aquém disso, as universidades não podem se abster, aliás, devem intervir com a convicção de que o caminho mais humano é não reconhecer que nossa condição existencial está unicamente vinculada às premissas econômicas, pois nos omitir, significa, inevitavelmente, que temos que dar razão aos que criticam acidamente o capitalismo, mas condicionam toda sociedade aos menosprezáveis interesses de lucro incessante.
O direito, dentro e fora da academia, deve antes de tudo, ter responsabilidade ética e comprometimento com a sociedade. Nunca deve reduzir-se a meios necessários de usufruto do capital, apesar de não poder negar sua interligação com ele, da mesma maneira que interage com a política e com os demais interesses sociais. Logo, uma postura mais incisiva deve ser tomada por seus operadores e os que pretendem demonstrar que nem tudo se resume à especulação econômica. Ou será que realmente toda a sociedade formou-se e existe tão-só para satisfazer interesses mercenários?
A conjuntura atual mostra um direito extremamente estratificado, pesado, incompreensível aos não-operadores jurídicos, resumindo, um fardo extremamente grande de ritos, erudição e formalismo excessivos que realmente não são capazes de atender as demandas sociais. Reconhecer isso é, antes de tudo, entender a dinâmica que tomou as nossas leis, operadores e suas instituições.
Observar essa crítica e tentar absolvê-la do modo qualitativo é essencial para uma mudança que a sociedade almeja, e que todos os setores sociais também querem. Uma privatização do direito público é uma tendência perigosíssima nesse contexto, pois quem garantirá que o interesse econômico não nos tome a vitalidade humana e transforme-a em um lucro imoral.
Entender a debilidade da nossa justiça, não é subjugá-la, pelo contrário, é reconhecer que uma reforma deve ser feita combatendo o rigor técnico-formalista imperante das leis e dos nossos tribunais, ao passo que estes, não sejam rotulados como entes infinitamente incapazes de produzirem justiça em tempo hábil e de qualidade em consonância com a sociedade moderna. Devemos dar mais qualidade, moralidade e, precipuamente, celeridade processual, para que o nosso direito não venha ser barganhado em operações capitalistas inescrupulosas como outros bens essenciais da vida humana vêm sendo.
Nesse contexto, o Estado de direito deve rever o tamanho de sua autoridade interventiva, observando as tendências, estudando-as e aplicando-as sem, contudo, abdicar dos interesses sociais, pois a justiça romano-germânica, adotada por nós, existe para satisfazer interesses econômicos, políticos e, inexoravelmente, os sociais.

REFERÊNCIAS

FARIA, José Eduardo. Sociologia jurídica: direito e conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2008.
PS.: Trabalho apresentado à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial à conclusão da disciplina Métodos e Técnicas de Pesquisa Jurídica pelos alunos Elisangela, Francisco, Marcos e Priscila

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